"O Sol brilha sobre o ouro e sobre o lixo. Quando o Sol brilha sobre o ouro, o ouro lhe devolve seu brilho. Quando o Sol brilha sobre o lixo, o lixo não lhe devolve nada. Assim se pode dizer que o dom da Graça é dado a cada Ser. Mas a questão é fazer brilhar aquilo que nos foi dado".
O homem evolui através do desejo e do medo. Não há medo sem um desejo escondido, e não há desejo que não traga consigo um medo. Na evolução humana, o medo não superado, o desejo bloqueado vão gerar patologias. Existem em nós o desejo da Pleroma, da plenitude, e o medo da destruição.
A partir do momento em que nascemos, temos o desejo de viver, e ao mesmo tempo, o medo de morrer. O desejo e o medo nascem juntos. Se a criança supera o medo de morrer, surge o desejo da mãe, de se fazer uno com a mãe, e ao mesmo tempo nasce o medo da separação da mãe. Mas para crescer, a criança deve se separar da mãe e atingir um mundo que lhe é próprio, particular dela. Ocorre então o medo da separação. E este medo se somatiza no adulto, algumas vezes por regressões através de álcool e drogas. É uma maneira de reabsorver a dualidade através da droga. Superar essa dualidade não é dissolve-la, mas integrá-la, e assim seguir a evolução.
Dentre nós, existem os que tem medo da evolução por medo da solidão, da separação de sua mãe e de seu meio. A criança que supera esse medo vai procurar um novo lugar de identificação, descobrindo seu próprio corpo. A medida em que descobre seu corpo com prazer - sente o desejo do corpo - surge o medo da decomposição. A criança chora quando faz cocô, pois percebe que seu corpo se decompõe.
Na idade adulta, o homem busca a unidade através do desejo de posse, do poder, possuir a matéria. Por trás desse desejo, encontra-se um grande medo da decomposição, medo da doença, medo de tudo que transfigure o corpo.
Superando esse medo, assume-se outro lugar de identificação: o desejo de unidade com o outro sexo. O homem e a mulher buscam a unidade através da sexualidade e, com isso, surge o medo da castração. O medo de perder este poder, dentro de uma relação com um outro que é diferente dele. Muitas pessoas ficam fixadas nessa etapa de evolução.
Após essa fase, surge o desejo de corresponderem à imagem que seus pais tem deles. Então, simultaneamente, surge o medo de não corresponderem a essa imagem. Existem pessoas que não vivem seus próprios desejos, mas o desejo de seus pais. Isso trava o processo de evolução. É por isso que o conflito entre adolescentes e seus pais é tão importante: para diferenciar os seus desejos dos desejos de seus pais.
Surge então um novo desejo de unidade, o da identidade nele mesmo. O desejo de corresponder à imagem do "homem de bem", tendo ao seu lado o medo de não corresponder à essa imagem. Ele tem medo de ser anormal.
Superando esse medo, ele chega ao um nível de evolução muito avançado, um nível de liberdade. Surge o desejo de autonomia, da experiência com a liberdade. há também o medo de perder essa autonomia, de perder o Ego, o Eu que está em sua pele, o Eu bem diferenciado do seu meio, dos seus pais e dos seus impulsos. É o momento em que o Ego se sente ameaçado pelo Ser. Começa o desejo do Self, e o medo de perder o Ego. O Ego ou eu, é uma abertura do ser humano a toda a sua potencialidade e o Self ou Eu é essa realidade trancedental, que relativiza a beleza desta autonomia e que nos revela que há um Eu maior que o eu, que há um Eu mais inteligente que o eu, que há um Eu mais amoroso que o eu.
Para ter acesso ao Self, deve-se soltar as rédeas deste Eu, e assim passamos a um nível superior, criando o desejo de nos fazermos uno com Deus, que é a fonte do Self, a fonte do Ser. Mas, ao mesmo tempo, penetra em nós o medo de perdermos esta representação de Deus. Esta imagem que temos de um Deus bom, de um Deus justo, que é a projeção, no Absoluto, das mais elevadas qualidades humanas. Diante de determinadas situações, Deus não se mostra justo de acordo com a idéia que temos de justiça; não se mostra bom como a ideía que temos de bondade. Ele não é amor como a idéia que temos de amor. Surge o medo de perder Deus! E então, passa-se à experiência do vazio... esta experiência que é a condição para ir a este país onde não há desejo nem medo. Não é o desejo de alguma coisa em particular, nem o medo de alguma coisa em particular.
Nossa vida passa sobre essa escada. Não paramos de subir e descer. Assim, nosso medo se enraiza em momentos muito particulares da nossa existência, e escutar os nossos medos nos permite entrar em contato com esse momento. Nossos medos são instrumentos para nossa evolução.
Descubra o desejo de viver que se esconde atrás de seus medos.
Sinta os degraus da escada...
Fonte: LELOUP, Jean-Yves - Caminhos da Realização